(Noorullah Shirzada) |
A)
Em alguns vestibulares se cobra a leitura de Sentimento do mundo, de Drummond. É o livro errado de CDA, errado
por que não há a celebre abertura, do já careca Poema de Sete Faces, que consta
em Alguma Poesia, onde um anjo torto manda o pequeno Carlos (e todos nós,
jovens imberbes) sermos “gaúches na vida”. Sermos esquerdos. Há também neste mesmo
volume, o Papai Noel às avessas, que entra
pela porta dos fundos, tateando a cozinha “com olhos espertos” até achar um
queijo e comer, e que logo depois puxa um cigarro e não acende, “como medo de
queimar as barbas postiças”: Trata-se de um gatuno que está roubando os
brinquedos e saindo em silêncio de uma casa abastada, um gatuno-poeta,
inofensivo como sempre são inocentes e inofensivos os malandros de Drummond. Os
únicos malandros que acreditamos poder um dia encarnar quando somos
adolescentes.
B)
Há um belíssimo poema de Gabriela Mistral, poetisa chilena, chamado
“Todas íamos ser rainhas”, onde ela conta
de suas amigas de infância, dos reinados que cada uma sonhava para si e de como
esses reinos levariam todas elas ao mar. Eram quatro meninas: Uma terminou criando
sete irmãos e “deixou o sangue no pão”; outra o mais perto que chegou da água foi
quando beijou um marinheiro; Efigênia, diz Gabriela, se apaixonou por algum
estrangeiro e ninguém mais a viu (“pois homens se assemelham ao mar”), já
Lucila foi a única que “nas luas da loucura, recebeu reino de verdade”.
C)
No meio dos tantos causos e anedotas sobre literatura que Enrique Vila-Matas
habitou-se a contar em seus romances, uma das melhores que li é sobre o poeta
inglês e porra-louca, Lord Byron, que tinha como bichos de estimação um lobo e
um urso, e que certa vez, conta Vila-Matas, Byron amarrou o seu urso dentro do
campus de Cambridge, onde estudava, só “para zombar da regra que proibia ter
cachorros no college”.
D)
É janeiro em Maceió, e além do verão, a temporada é de outdoors
anunciando matriculas e futuros abertos para nossas crianças. Eu já quis ser
rainha quando moleque. Uma vez escrevi um poema na escola junto com um amigo,
onde nós éramos sósias de atores de novela. O poema/novela ficou batizado de Éramos Moças. Nessa época eu não
conhecia Gabriela Mistral, nem Drummond e muito menos Vila-Matas. Mesmo assim, se um dia fui moça, logo, fui rainha, uma rainha digna de roubar presentes e de possuir ursos.
Correto?
E)
Correto. Encerra Tia Mistral: “Cantam as outras que já vieram/ como as que vieram cantarão:/ Na
terra seremos rainhas/ e de verídico reinar/e sendo grandes os nossos reinos/ chegaremos
todas ao mar”. Fim das questões.
Cid Brasil
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