(Poster do filme: "Vocês Ainda Não Viram Nada!", de Alan Resnais. Arte de Blutch) |
Senhoras e senhores do júri: O baile é o seguinte: Um perfil numa
rede social, nunca é só um perfil numa rede social. Assim como sexo nunca é só
sexo ou uma piada é só uma piada. Por ora, fiquemos nas redes. Nossas postagens
não estão além do jardim do bem e do mal, como diria Nietzsche. Tampouco não é
porque “ninguém comentou que não se ofendeu”. Redes sociais dizem muito de
nossas carências, buscas, anseios e preconceitos.
Recentemente Mark Zuckerberg, o criador do FB, divulgou sua meta
para 2015: Que era, segundo ele, ler mais esse ano. Chegou até a inventar um
grupo para que os seguidores indicassem e debatessem sobre as obras literárias
que ele escolhesse. Não há altruísmos na “meta para 2015” de Zuckerberg. Ele
não quer ficar mais culto ou colaborar com a estante de seus devotos, o que existe
é algum vinculo com o mercado editorial americano, que é poderosíssimo por
aquelas bundas; o que há é a busca por ganhar algum enquanto finge estar
disseminando cultura. É um pouco como aquele pensamento, que em geral partem
dos autores de Best-Sellers, de que é melhor as pessoas estarem lendo
Crepúsculo ou Cinquenta Tons de Cinza, do que não estarem lendo nada. O dano
aí, no caso dos livros mais vendidos, não são as histórias, mas sim seus
autores, que não puxam, não guiam, não encaminham seus livros para outros
livros, não funcionam como mapa ou indicação para o ouro. Para a arte.
Negam-se acintosamente a passar a bola para um Shakespeare ou um
Kafka ou uma Clarice Lispector. E não dar esse passe, amigos, é o maior dos
pecados e por isso mesmo merecem apanhar e apanhar no oitavo círculo da Divina
Comédia. Eternamente.
Arte e artistas não só abrem cabeças, eles as costuram e empurram
nossas cadeiras de rodas. São valentes, como o verdadeiro amor tem que ser
valente, como a verdadeira arte tem de ser valente. Levar-nos pelas mãos até
outras mãos, também é arte. E também é amor. Falta arte, falta amor, falta
coragem nos dias que correm.
E é impossível falar de valentia e arte essa semana, sem falar nos
bravos cartunistas e na equipe de redação do Charlie Hebdo, que foram
assassinados em Paris na última quarta. Aquela tragédia só fez aumentar as
cores de um pesadelo que tenho, na verdade um trauma. Explico: Uma vez, quando
julgava ser ator, fui convocado para um papel dramático, obviamente me esforcei
horrores nos ensaios e no dia da estreia, assim que entro no palco e digo minha
primeira fala – meu papel era o de um homem traído, numa montagem de Nelson
Rodrigues – a plateia caia na risada. Prossigo bravamente com meu
papel-desempenho (como diria Guimarães Rosa) e minha coleguinha de cena, para
acompanhar os que assistem, passa a improvisar, a alimentar as gargalhadas, a
pedir para ser aceita, e de repente me vejo dentro de um pastelão, ou dentro de
um daqueles horrorosos episódios do Sai de Baixo. Era como se eu fosse o único
tentando avisar do incêndio que havia nos camarins para um bando de hienas.
Creio que há uma peça teatral do Lourenço Mutarelli em que um palhaço de circo é
convidado para uma festa, e ele, deprimidíssimo, passa a contar seu drama para
os convidados e a cada lágrima derramada o som de uma gargalhada inunda o
teatro.
Ultimamente ao abrir o facebook, essa sensação de estranhamento tem
aumentado. Para que plateia estou falando? Que amigos convidei para vir e para
assisti-los? É o que me pergunto todas as vezes em que vejo os dentes de
alguém.
(Talvez o teatro já esteja vazio e agora eu possa pensar alto: Vocês
não tem ideia como esse texto salvou o meu dia. Obrigado).
Cid Brasil
Uau!
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