(Fernando Botero) |
Naquela manhã – que como tantas outras começavam para ela às duas
da tarde – estava assistindo seu programa favorito, o Fique Alerta, ansiosa
para ver seu nome e sua foto entre as aniversariantes do dia. Curiosamente, nem
as piadas do apresentador entre um cadáver e outro, melhoravam seu astral no
despertar de seu trigésimo aniversário. Tomou um grande susto quando a voz
desafinada do cantor de música brega, Pablo, Rei da Sofrência, ecoou pelo seu
Iphone – protegido com uma capinha de Romero Britto – interrompendo não só o
último Doritos do pacote e da tarde, como a reflexão. Número privado. Quem
seria?
Era Teteú, seu ex-marido, a quem agora tinha de chamar de
Cristiano, só Cristiano. O que queria o senhor prefeito de Marechal Deodoro?
Lhe parabenizar pela nomeação como Secretária de Cultura do estado de Alagoas.
Mellina, coração palpitando por ouvir outra vez aquela voz de radialista,
pensou: Aí que falta, entre um filme e outro de Leandro Hassum, essa voz...
Essa boca... E saindo do transe, perguntou se aquilo não era uma brincadeira
dele; afinal, como ele mesmo devia lembrar, ela deixara bem claro que se não
fosse para chama-la para um papo sério, num fim de tarde no Lopana, que a
esquecesse!
A conversa, como não podia deixar de ser, já que Cristiano estava
entrando em seu jatinho, foi rápida. Mal desligou e ouviu Fábio Júnior trazer o
nome de seu papai no visor do aparelho, Mister Washington, queria lhe
parabenizar não só pelo aniversário, como pela nomeação. Emocionado, lembrou
das sete vezes que bancou as idas de Mellina a Dysney, alegando que aquilo
moldaria seu caráter; lembrou ainda das mensalidades pagas adiantadas do curso
de Direito no Cesmac e da aprovação, depois de dezessete tentativas, na Ordem
dos Advogados.
As lágrimas rolaram de verdade quando recordou que sua filhota fora
acusada de desviar quinze milhões de verbas públicas enquanto prefeita de
Piranhas – uma mentira, disse Mister Washington , quantas vaquejadas e shows
não aconteceram lá? Quantas coisas você promoveu cultural e socialmente, minha
filha? Não tema! Após o papai, Mellina viu as mensagens de texto pulularem no
visor do aparelho que tinha na capa uma foto sua abraçada com Pedro Bial, seu
muso e cronista favorito, durante um esbarrão pelas ruas de Miami. Todas SMS
tinham o mesmo conteúdo: Parabéns e pedidos dos remetentes que ela não os
esquecesse! – Na verdade eram só emoticons de serpentinas, mascaras de teatro,
dançarinas e cifras musicais, quase nenhuma letra, pois da turma, Mellina era a
única dada ao português, afinal, era poetisa e leitora voraz da série Cinquenta
Tons de alguma coisa e de biografias de gente como Reinaldo Gianecchini e Edir
Macedo (pois um pouco de religião, de deus, dizia, nunca era demais).
Esqueceu o Doritos solitário e o pacote de Passatempo intacto em
cima da cama e correu para o escritório. Ligou o computador, leu as manchetes
onde diziam que Renanzinho, um antigo namoradinho seu de adolescência e agora
governador do estado, tinha finalmente anunciado os nomes de seu secretariado.
Renan, ou Nanam, como todos em Murici o conheciam, estava sério na foto, aqui
Mellina exercitou as bochechas, sorriu, Nanam parecia outra pessoa, tão
diferente daquele gordinho sem camisa, no bloco do Azul, em Murici, rebolando
freneticamente ao som de um cover de Chiclete com Banana, quando eram apenas
filhos de gente importante de Alagoas.
(Continua...)