domingo, 18 de maio de 2014

OLIVIA



(Ashley Mackenzie)



Aos vinte e seis anos Olivia julgou que sua vida tinha dançado. Dentro do barraco, naquele grande e calado domingo de sol, sentou-se num tronco de madeira de frente para a lagoa que nem sabia o nome e se pôs a pensar no que fazer. 1: Chorar. 2: Se matar ou 3: Pensar em sua mãe já que era aniversário dela.


Ficou com a última. Acendeu um cigarro e lá pela terceira baforada ficou olhando a alma do cigarro vagar a sua frente, pensando que talvez ali se desenhasse o fantasma de sua mãe.


Pensou como ela deve ter se sentido no corredor daquele hospital ansiando mais a morte do que o doutor. Pensou no rosto de sua velha no dia em que anunciou que iria embora de casa com aquele caminhoneiro. Pensou no que não disse na última vez que tinham se falado, justamente quando Olivia anunciou que estava gravida de outro homem e que abortaria (“minha filha... Pelo amor de deus” disse a velha pelo telefone e aquilo bastava para que Olivia calasse). Pensou nas oportunidades que sua mãe não teve e das quais não lamentava. Pensou no respeito que a mãe tinha pela foto do velho, poupando o ouvido dos filhos de qualquer mágoa contra aquele bruto.


Talvez eu esteja pagando tudo o que fiz para ela, pensou.


Então começou a chorar, ao perceber que a única alegria que poderia ter dado a sua mãe era não tê-la abandonado. Se levantou da imitação de banco e quis mergulhar no vazio, acabar com tudo ali mesmo, não dar trabalho ou remorsos a ninguém. Cair, rolar, bater a cabeça até virar uma coisa só, até virar perante outros olhos uma massa mulambenta de trapo e sangue, feia, muito feia, que era como se sentia.


Na contagem regressiva, Olivia pensou no sorriso que sua mãe dava quando algum ator de novela sorria na TV, como se retribuísse o gracejo. Sorria como se ficasse alegre por receber tão ilustre visita. Sua mãe sorria como se contracenar com o Lima Duarte ou o Francisco Cuoco fosse sua vida.


Não pulou.

Cid Brasil

domingo, 4 de maio de 2014

TÂNIA


(Juan Martínez Bengoechea)




Foi num desses dias tristes. Que mais tristes ficam quando são aos sábados. Foi justo no velório do meu quase sogro que eu me lembro de ter pensado ser uma baita piada de mau gosto da vida, aquele homem falecer justo num sábado, dia que tanto gostava e sua filha também. Não me perguntem de que esse homem morreu. Eu não sei, e além do meu quase sogro não estar mais aqui, sua filha também partiu dessa para uma melhor: Mora hoje em Madri segundo me disseram. 

Estudei com essa menina apenas um ano e ficamos amigo por mais um e fomos namorados por dois minutos. No dia em que o pai dela morreu, ela me puxou num canto escondido e me deu um beijo na boca. Deu outro e pôs fim ao nosso romance: Disse que estava indo embora... As irmãs já sabiam da doença do pai, a mãe a mais tempo ainda e ela, a caçula, soube no instante em que viu o pai desmaiar. Em instantes ela soube também que uma tia de Sampa iria acolhe-las no luto e na nova luta. Fiquei tão besta com os beijos no velório que nem perguntei para que cidade ou para quando iriam, ou mesmo se quando conheci o meu quase sogro se ele já estava doente. Só no dia seguinte, com o velho já enterrado e o meu amor enlutado num São Geraldo foi que pensei nisso tudo.

No dia seguinte, mesmo sabendo que ela já tinha ido embora de Maceió, telefonei para a casa dela sem ainda saber o que dizer depois do nosso começo e fim. Hoje, com o que vivi aquele dia, diria: Olha, desde criança eu sei que estou condenado a esta terra, a ficar aqui com minha mãe, com meu outro irmão, cuidando deles e eles de mim, mas se um dia você voltar... Se voltar me procura, me procura que é provável que agente se trombe na rua e estejamos com o mesmo objetivo na cabeça, que é me encontrar. Tá bom? 

Achei estranho o telefone chamar com a casa vazia e a placa de vende-se na porta. Não me perguntem por que chamava, nem eu sei se a família esqueceu o aparelho de telefone em casa – tampouco me interessa, prefiro botar na conta do enigmático da vida, essa humorista de primeira, como diz o Roberto Bolaño.

Voltei para a minha casa de mãos dadas com a necessidade de desabafar. Contei essa história (até aqui) para uma senhora que trabalhava lá em casa, a Tânia, e a Tânia disse: “Alcides, tenha calma, se até as conchinhas do mar voltam a se encontrar, porque não duas pessoas?”. Eu, que até aquele quilometro quinze, já tinha perdido tanta gente, me conformei com mais aquela perda.

A Tânia foi baba do meu irmãozinho, era uma senhora curiosa, como os sábados tristes e a vida. Muito vaidosa, vivia se pintando, indo no salão toda santa folga e vivia fazendo dieta e cantando umas músicas do Roberto Carlos com um olhar ausente enquanto meu irmão revirava a casa. Quando ela disse isso, tomei essa com guaraná e aprendi não só o porquê de tanto esmero em sua figura, como a razão das saudades do que nunca mais o mar devolve.


Cid Brasil