Que a nostalgia, depois de pais ausentes, ressentimento e boletos atrasados são os maiores combustíveis para escritores sentarem a bunda numa cadeira e começarem a escrever, isso ninguém duvida.
Tanto é que uma das cenas mais marcantes de toda a literatura acontece quando o protagonista de No Caminho de Swan, de Marcel Proust, está tomando chá com bolo - a tal da madelaine, muito famosa na terra do De Gaulle - e ele tem uma epifania que o faz rememorar toda a sua vida, tudo por causa do bolinho e do tempo livre do cidadão. Obviamente aqui o leitor mais arguto irá perceber pelo amontoado de clichês que usei, assim como a referencia a De Gaulle ao falar da França, que eu nunca li Proust, nem Em Busca do Tempo Perdido.
Mas dia desses experimentei algo muito parecido, foi uma breve volta aquela fase onde as meninas tratam os garotos (e com razão) como leprosos. No meu caso a maquina do tempo que me levou até o pátio da escola novamente foi algo menos refinado que um bolinho francês, mas nem por isso menos prejudicial aos dentes e a diabetes: A pipoca Pippo’s, sabor bacon.
Peguei-a no caixa do supermercado apenas para arredondar a conta e ficou dias esquecida na gaveta tal qual aquela tia para quem nunca telefonamos no aniversário. Mas eis que um dia, feito o parente indesejado, topei com ela pela casa e disse: Porque não?
O cheiro de bacon ao abrir o pacote já foi a primeira cacetada, senti a gritaria das outras crianças no recreio, e nos primeiros grãos mastigados... Pronto, lá estava eu de volta ao colégio, com o buço suado de tanto correr, as tetinhas quase furando a camisa escolar e as meias na canela, cada uma de uma cor, numa vã tentativa de originalidade mas que como sempre acontece na maioria das vezes, só faz você ficar parecendo um retardado.
A velha sensação de pertencimento.
A velha sensação de ter amigos.
A velha sensação de não saber dar nome as angústias.
Numa cena famosa de Mad Man, o bonitão lá fala que em grego, a palavra nostalgia “significa a dor de uma velha ferida, um aperto no coração mais poderoso que a própria memória”.
Uma dessas feridas que esse gostinho de porcaria me trouxe, foi do Gildo, gordo feito uma vassoura, dizendo que o porco ia me matar, ele sempre dizia isso quando eu comprava a porra da pipoca. Eu era meio lerdo e não sabia que o bacon é um derivado do porco. Achava que o bacon e o porco na embalagem do salgadinho não tinham ligações, igual os alertas por trás das embalagens de cigarro que vendiam na cantina do colégio (na escola de vocês vendia cigarro também, né?), eu pensava que o bacon era só um nome para um sabor e que sabores eram só um amontoado de coisas que davam gosto a outras coisas que não existiam também, tipo tutti-frutti, tipo... A infância também.
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