(James Ensor) |
Euclides entra numa loja de conveniências de um posto de gasolina para
pensar e pedir um chá de camomila, e ato contínuo, se da conta do absurdo que é
entrar ali com esses desejos, ainda mais morando numa cidade tão pequena como
aquela, onde, no máximo, de qualquer lugar que esteja sempre estará a vinte
minutos de casa. Na verdade está cansado. Na verdade, Euclides está deprimido.
Pede um café com leite depois de ouvir, do balconista, que não há chás de
camomila em noites de sexta, Euclides sorri da resposta um tanto absurda, não
sem antes responder que já era sábado, o atendente franze o cenho e faz uma
cara de tédio. Euclides sente-se mal, pensa em pedir desculpas para o rapaz, pensa
no rapaz, pensa no cansaço do rapaz, cansado de tantos bêbados, de tantas
piadas como aquela. Pensa no bêbado escorado na única mesa do lugar, único
cliente, além dele.
Bebe rapidamente o café. Pede outro. Depois pensa que é uma pena,
ter deixado de beber por causa da literatura (a que tenta escrever, e a que lê).
O atendente mexe no celular, sorri de algo que lê, outro atendente puxa assunto
com o do celular e reclama da lentidão do relógio. Depois falam sobre
vestibulares e possibilidades de mudança. Euclides pensa em J e em G. Num
guardanapo escreve essas iniciais, ao contrario do que parece, J é uma mulher e
G um homem, depois Euclides recrimina-se por tal piada ruim e como para esquecer-se
dela, amassa o guardanapo e o coloca dentro da xícara vazia. Euclides, nessa
madrugada, trocaria o desejo pelo chá de camomila – que é grande e verdadeiro e
é a única coisa viva que possui – para prosear com J e G. Talvez até ao mesmo
tempo, num lugar como aquele, refrigerado e quieto. Pensa também que o melhor
seria ver os dois conversarem, e ele de fora, assistindo. Mas depois percebe que
tal reunião poderia acabar em deboches, farpas, tapas na mesa e posteriormente,
desprezos, já que J e G constituem os dois polos divergentes que levaram
Euclides a suicidar, cada uma no seu tempo, tais amizades.
Euclides tem vontade de ir à praia, a cidade, é tão ridícula que
oferece até isso em outros vinte minutos. Sabe que não irá. Ainda é madrugada,
tem medo, medo até de encontrar ele mesmo, caminhando sozinho, num futuro ou
num passado, e não saber o que dizer. Euclides tenta se animar, pensa na
literatura, sabe que para conseguir razoáveis parágrafos, páginas medianas,
precisa de alma de escultor, de pugilista, de bailarina. Anima-se, um pouco, ao
dar-se conta de que das pessoas que conhece – mesmo as sem pretensões artísticas
– é um dos poucos com essa coragem. Com esse rigor de samurai. Sabe também que
isso não é garantia de nada, pois pode leva-lo a rancores, frustrações e a loucura
(não a loucura quixotesca) – precipícios que nunca experimentou por ser jovem e
inocente. Ainda assim, aprendeu, nos poucos livros que leu, com o próprio G,
com seus pais, que o único escudo é a bravura. A poesia.
Um rapaz vestindo uma camisa da seleção brasileira entra na
conveniência e Euclides pensa que se fosse jogador de futebol, algo que queria –
mas não com força suficiente – na infância, podia estar agora desempregado, ou com
uma angústia chinesa, indecifrável e feita de aço. Coloca a mão no bolso.
Sorri. Não tem dinheiro para pagar os cafezinhos. Vasculha todos os bolsos,
duas, até três vezes e a única coisa que encontra é seu caderninho de
anotações, lê as primeiras páginas e acha tudo incipiente, ainda que não blefe,
nem seja pedante, como tanto detesta em alguns escritos alheios.
Cid Brasil
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