Nos esportes, a falta de aptidão natural e a má vontade dão mais na cara, porém nas artes alguém sem talento ainda consegue encorajamento, aplausos e cachês. Era o que Frederico sempre pensava quando recordava sua infância e no seu pai artista.
Além de fotografo, cantor e ator, seu pai era também dono dos meios de produção, no caso, dono de uma companhia de teatro infantil. Por muitos anos o pequeno Frederico foi não só o ator principal das peças do pai, como também a criança de qualquer outra atividade que precisasse de algum prodígio. Seu pai talvez só não o inscreveu para miss universo, de resto, lá estava Frederico e o pai.
Como em todos os meios de trabalho, e nas artes cênicas não é diferente, para as mulheres o sarrafo é sempre mais alto e por isso elas precisam abandonar os papeis infantis aos 15 anos de idade, pois depois disso tudo fica estranhamente sensual e sexual. Mas para os homens, um Peter Pan de canelas peludas, bigodinho ralo e roupas apertadas ainda é um Peter Pan. Só que aos dezoito anos Frederico deu um basta em toda aquela palhaçada. Cada vitrine viva feita em lojas do centro ou comercial de TV em que figurou; cada escada nos circos da vida foram passados na cara de seu pai. Alegou que na escola era motivo de chacota, que as meninas o evitavam. O pai ficou arrasado, sonhava que seu rebento repetisse seus passos, superasse-os; que desse mais uma volta no parafuso; mas o menino queria ser motorista de ônibus, mineiro, vendedor de sapatos... Qualquer coisa menos, em suas palavras, um desinibido.
A última conversa que tiveram faz 20 anos, foi num natal qualquer, e as últimas mensagens que trocaram no aplicativo que a globo nunca diz o nome, mas todo mundo sabe que é o whatsapp, tem 5 meses. Até hoje. Pois o hoje é o dia do aniversário de 42 anos de Frederico, que é quando salta uma notificação dizendo: “Filho, olha o que achei na internet. Parabéns!”. Junto vem um link do youtube mostrando uma participação do menino Frederico num show de calouros em um programa local, onde ele canta a música Loirinha, de José Orlando.
No vídeo ele usa uma enorme camisa florida, parece um balão a camisa, por dentro da calça. Gel no cabelo e uns dois anéis na mão. Foi seu pai quem o inscreveu no programa, ele lembrou agora, o inscreveu mais para salvar o amigo apresentador que não tinha muitas crianças para participarem, do que para forçar o filho, agora ele lembra, a algo diferente, seu pai era desses, gostava de ajudar. Tinha senso de justiça. Foi seu pai também quem cuidou do figurino, quem o ensinou a música, dirigiu seus gestos naquela semana.
Nos comentários do vídeo, seu pai escreveu: “Esse aí é o programa Show da Tarde. Maceió, 1988. Participação de Augusto Frederico Junior, meu filho, meu presente de deus!”. E aquilo, aquelas palavras do pai, aquele apego a datas, fatos e ao afeto quebram Frederico de uma forma estranha. A única coisa que ele consegue fazer de novo é rever o vídeo, dessa vez se acha bonitinho cantando música brega, se acha dotado de certo carisma e desenvoltura. Pensa ainda que se o pai tivesse tido um bar ou sido um criminoso, ele também iria detestar aquelas atividades. Ajudar naqueles ofícios. Só então sente vontade de chorar, mas não consegue, tenta repetir os exercícios de quando era ator mirim para ver se lhe caem algumas lagrimas, mas não consegue.