quarta-feira, 20 de julho de 2016

O PALESTRANTE NÃO VEIO



(Wim Wenders)

A vida é mesmo cheia de mistérios. De mistérios e de cursos mequetrefes. Cursos que só nos servem para aprendermos que não se aprende nada nos cursos. Pois bem: Estávamos todos os sobreviventes ali, lado a lado, naquele pequeno auditório no centro, aguardando a chegada do moço que nos ensinaria finalmente como falar bem em público. 

Havíamos aguentado por três meses toda uma série de cursos, minicursos, mini-palestras e outros mini-golpes que iam minando pouco a pouco não só nosso dinheiro, como nosso animo, numa clara missão da parte deles de que fôssemos esquecendo dia após dia, taxa após taxa, módulo após módulo, aquilo que tanto tínhamos para comunicar a humanidade sem gagueiras, rouquidões e cagaços. Afinal, queríamos aprender a falar bem em público...

Imagino que todo o curso e até a infalível palestra final, não passaram de uma cilada para que desistíssemos e no fim, ao tentar acusá-los de extorsão, alguém dissesse que não havíamos aprendido nada por não ter concluído a última fase do curso de “marketing pessoal, seguido da palestra como falar bem em público com Jerry Leonardo em pessoa”. 

Sempre que me lembro daquele estranho jogo com muitas fases e sem final, uma espécie de Super Mário Bros do Marketing, me dou conta que aqueles três meses junto de outros debilóides nada mais eram do que a encenação da velha piada do cara que telefona para as pessoas oferecendo uma maneira delas ganharem dinheiro fácil e sem sair de casa, mas que antes de ensiná-las o método infalível pede que façam um deposito adiantado em sua conta.

Bom, o fato é que estávamos lá, aguardando o homem, o mestre, o milagreiro, o senhor Jerry Leonardo em pessoa, o dono do sorriso envelopado a quem só víamos por foto nos banners, nos vídeos motivacionais e nas capas dos módulos. A ansiedade era tanta que demos as mãos uns aos outros, as luzes do palco se acenderam e quando pensamos que finalmente aprenderíamos a falar bem, alguém da organização sobe ao palco de forma atabalhoada e informa a todos os presentes que, infelizmente, Jerry Leonardo não poderia vir palestrar porque havia... Falecido aquela manhã, vitima de um infarto.

Após o silêncio geral da sala e o choque de alguns por temer que o coffee break também fosse adiado, ouvi alguém na plateia comentar que o fato do palestrante ter morrido era até bom, porque quem sabe ele não estivesse prestes a dar umas aulas a deus sobre como falar em público, o que finalmente acabaria com o problema do eterno silêncio celestial. 

E só não puxei os aplausos depois daquela piada porque me dei conta que quem falara semelhante bobagem havia sido eu, e no ato percebi que mais do que falar bem para uma plateia, eu deveria era procurar um tratamento psicológico após aqueles noventa dias ouvido clichês "você quer você pode!".

Ainda que tenha dado boas risadas no ato final do curso de "como falar bem em público” e ainda que tenha ficado risonhamente mais doído e seriamente mais pobre (pois fiquei sem trabalhar, só bancando aquela insanidade) fiquei tentando a me matricular novamente na pasta primeira do curso apenas para ver se ao final eles dariam a mesma desculpa do falecimento do palestrante para afugentar os sobreviventes. 

A desconfiança permanece até hoje, já que continuo recebendo não só e-mails, como panfletos em casa de novos cursos e minicursos de “marketing pessoal & de como falar bem em público com o grande Jerry Leonardo em pessoa”. A vida, não é mais uma história contada por um idiota cheia de som e fúria, tal qual disse Shakespeare, a vida, hoje, é uma eterna palestra de marketing pessoal sem coffee break no final.

Cid Brasil