(Brooke DiDonato) |
De repente, anseio por um café com leite que me devolva alguma
perspectiva de razão e simplicidade. Olho para o relógio. Já não dá tempo de
nada – no fim nunca vai dar mesmo, filosofo porcamente para justificar o
abandono dos compromissos. O lugar está cheio. Para justificar também a procura
por um lugar onde me enfiar ao tropeçar na entrada, me escoro no balcão e
mergulho na minha mochila.
Quando tínhamos quinze anos, época que nos conhecemos, ele disse
que meu nome era de velho, de advogado, de avó... Sim, dizem que é em homenagem
a meu avó... Só que nunca o conheci, respondi para ele. Quis saber por que
nunca o conheci. Creio que foi com essa pergunta que ganhou minha amizade –
para o seu azar. Se não sorri lá, sorrio aqui. Na verdade, o sorriso só me
nasce ao achar no fundo da bolsa, uma folha amassada, de caderno. É uma carta
abortada.
***
Pois é amigo, não faço mais parte do teatro, saí e pensei em inventar
algo solo ou fazer cursos, ou até mesmo fugir com o circo como disse uma vez aquele
ator, ou fugir com uma mulher talvez, mas ao invés disso sentei a bunda numa
cadeira como sempre faço em momentos de tristeza e... Dessa vez comecei a escrever.
E escrevi, escrevi, escrevi e copiei romancistas que admiro e escrevi, escrevi...
Dessa fornada nasce essa carta para você. Até isso percebi: Que eu lia mais
romances do que dramaturgia; o teatro não perdeu nada, vai por mim. Meu novo
sonho? Escrever um romance. Deve ser por que nunca vivi um de verdade, embora
minha história passe longe de ser sobre um casal. Foi a melhor coisa que me
aconteceu amigo – e que me está acontecendo! No mais, trabalhando com minha
mãe, tentando encontrar prazer até no trânsito de Maceió, lendo toda a galera
com mais talento e dedicação que eu e sonhado um bocado. Desculpa te alugar
assim, do nada, falando um monte, só espero que essa carta não tenha chegado
junto com um monte de contas e cobranças outras, mas é que ultimamente ando
assim, verborrágico pra cacete. Vai ver que é por que me sinto menos travado,
menos boneco, menos ator... Sei lá! Vai ver que no fundo não é nada disso, e é
só felicidade em te escrever. Sempre me recordo da última vez que nos vimos,
foi na sua despedida, lembra? Minhas pernas ainda doem todas as vezes que passo
na frente do teu prédio sem elevador e me vejo carregando tuas tralhas, mas a
dor passa quando com a nossa vontade sincera de só se divertir, mesmo ali. Também
é difícil esquecer do teu olhar quando o meu celular ficou sem bateria
impossibilitando nossa última (e a que seria única foto). Meu caro fique bem,
mande noticias, nem que seja via sua assessoria de imprensa, hahahaha! Mas me fale
de você. Se não der, não se preocupe o ingresso já tá pago com as lembranças. Abraços
e saúde!
***
Na janela do boteco, a moldura enquadra um bonito fim de tarde, um desses
que anunciam que nada é impossível ou para sempre.
Cid Brasil